Tequila e Pimenta: As bruxas de Salém

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

As bruxas de Salém


Os puritanos desejavam uma Igreja forte que tivesse poderes civis. Esse ideal gerou leis como a de que somente os membros da Igreja Puritana tinham direito ao voto a cargos públicos. Em Massachusetts tornou-se obrigatória à presença da Igreja nas cerimonias oficiais do Estado. Além disso, os novos credos passavam pela aprovação da Igreja e do Estado, e a desobediência às rígidas normas doutrinais era punida conjuntamente.

Em 1600, um grupo de imigrantes ingleses conhecidos como "puritanos" se estabeleceram em Massachusetts. Desprezados em sua terra vieram para o Novo Mundo para poderem viver segundo os seus princípios. Para esse grupo radical todo o bem viria de Deus e todo o mal estaria ligado ao demônio; acreditava ainda, e temiam, em particular, as bruxas. Segundo eles, estas agiam com, e sob, o demônio, que dominava até mesmo pessoas irrepreensíveis da comunidade. Essa era uma época de muitas superstições, poucos estudos e cultura limitada a poucas famílias e aos ministros religiosos. 


Em 1689, Mister Parris, o pobre reverendo da aldeia de Salem, estava exasperado. Betty, a sua única filha de apenas nove anos, acometida por uma série de estranhos espasmos, jogou-se petrificada sobre o leito, negando-se a comer. Naquela perdida cidadezinha, ao norte de Boston, não existiam muitos recursos além de um velho médico que por lá se perdera. Chamado para diagnosticar a doença, atestou para o aterrado pai que a menina estava era enfeitiçada e que nada lhes restava a fazer além de uma boa e sincera reza. A conclusão do doutor correu de boca em boca e em pouco tempo os pacatos habitantes do pequeno porto tomaram conhecimento de que Satanás resolvera coabitar com eles.

Simultaneamente outras garotas, as amiguinhas de Betty, começaram a apresentar sintomas semelhantes aos da filha do clérigo. Rolavam pelo chão, imprecavam, salivavam, grunhiam e latiam. Foi um pandemônio. Pressionado a tomar medidas, Parris resolveu chamar um exorcista, um caçador de feiticeiras, que prontamente começou sua investigação.


No século XVII, poucos punham em dúvida a existência de bruxas ou de feiticeiras porque uma das máximas daqueles tempos é de que "é uma política do Diabo persuadir-nos que não há nenhum Diabo".

Inquiridas por Cotton Mather, que iria se revelar uma espécie de Torquermada americano, as garotas contaram que o que havia desencadeado aquela desordem toda fora uns rituais de vodu que elas viram Tituba fazer. Essa era uma escrava negra que viera das Índias Ocidentais, e que iniciara algumas delas no conhecimento da magia negra. Durante o último longo inverno da Nova Inglaterra, ela apresentara várias vezes os feitiços para uma platéia de garotas impressionáveis. Educadas no estreito moralismo calvinista e no ódio ao sexo que o puritanismo devota, aquele cerimonial animista deve ter despertado as fantasias eróticas nelas. Provavelmente culpadas por terem cedido à libido ou apavoradas por sonhos eróticos, as garotas entraram em choque histérico. Seja como for o caso, merecia ser ouvido num tribunal. Toda a Salem se fez então presente no salão comunitário.


Quando colocadas num tribunal especial, presidido pelo juiz S. Sewall, e inquiridas pelos juízes Corwin e Hathorne, as meninas começaram a apontar indistintamente para várias pessoas que estavam na sala apenas como curiosas. O depoimento mais sensacional foi o da escrava Tituba, que não só confessou suas estranhas práticas como afirmou que várias outras pessoas da comunidade também o faziam.

A partir daquele momento, a cidadezinha que já estava sob forte tensão se transformou. Um comportamento obsessivo. Roger Conant, fundador de Salem tomou conta dos moradores. Uma onda de acusações devastou o lugarejo. Vizinhos se denunciavam, maridos suspeitavam das suas mulheres e vice-versa, amigos de longa data viravam inimigos. Praticamente ninguém escapou de passar por suspeito, de ser um possível agente do demônio. Não demorou para que mais de 300 pessoas fossem acusadas de práticas infames. O tribunal que entrou em função em junho de 1692 somente parou em outubro. Resultou que dezenove pessoas foram enforcadas.


Por causa deste episódio, Salem nos EUA tornou-se símbolo de intolerância.

O contexto histórico desse drama mostra disputas familiares de terras, interferência religiosa e intensa superstição. Inocentes pagaram injustamente com suas vidas e outros tiveram seus nomes envolvidos sem motivos reais.

Por fim, O reverendo Parris e sua família foram forçados a se afastar de Salem em 1696, devido à pressão da comunidade e seu Noyes filho morreu em plena insanidade mental. A religião puritana começou a desvanecer-se e perdeu sua influência e credibilidade, como resultado direto dos julgamentos e execuções. A partir daí, a sociedade colonial começou a questionar as crenças ultrapassadas e supersticiosas dos puritanos, bem como de outros grupos religiosos similares.


Nenhum historiador chegou à conclusão de que realmente foi a bruxaria que causou as doenças nas meninas e existem várias explicações para as supostas possessões. Talvez a mais interessante seja a afirmação da historiadora Linda Caporael de que foi o envenenamento por esporão do centeio ou ergot que originalmente criou a histeria.


O esporão é o resultado de um alcalóide tóxico (e geralmente fatal para os humanos) que se desenvolve no centeio. Por séculos, os fazendeiros souberam da existência do alcalóide, ao qual chamavam de capim, mas pensavam que ele era inofensivo. Algumas pessoas acreditavam que o capim, que parece um grão inteiro e preto, era simplesmente um grão queimado pelo sol. No entanto, não era esse o caso.

Surtos de envenenamento por esporão do centeio já aconteceram em outros momentos da história e o caso mais antigo registrado aconteceu na Alemanha, em 857 d.C. A idéia de que o esporão do centeio estava causando uma doença horrível chamada Fogo de Santo Antônio apareceu em 1670, depois de uma investigação do médico francês chamado Thuillier [fonte: Universidade de Geórgia]. Mas apenas em 1853 Louis Rene Tulanse provou, sem deixar nenhuma dúvida, que esses capins estavam causando a morte agonizante de várias pessoas e animais.


O simples fato de se comer um pão contendo a farinha feita com o grão infectado pelo esporão do centeio podia ser suficiente para matar uma pessoa. O envenenamento por esporão do centeio pode se manifestar de duas maneiras:

ergotismo gangrenoso - causa queimação na pele, bolhas e apodrecimento das extremidades, que acabam caindo. A doença geralmente causa a morte da vítima;

ergotismo convulsivo - ataca o sistema nervoso central, causando loucura, psicose (em inglês), alucinações, paralisia e sensações de formigamento. Esses sintomas fizeram a historiadora Caporael lembrar dos sintomas apresentados por Elizabeth Parris, principalmente a loucura.

Registros feitos durante o ano de 1692 descrevem o comportamento que as garotas afetadas apresentavam. Ele tinha uma semelhança incomum com um estado alucinógeno, e o fungo contém isoergina, principal ingrediente da droga LSD. Será possível que Elizabeth Parris e as outras pessoas afetadas tenham comido centeio e contraído ergotismo convulsivo?


Outros historiadores não acreditam que o esporão tenha alguma ligação com os julgamentos das bruxas em Salém. O Dr. Peter Hoffer, professor de história da Universidade de Geórgia levanta algumas questões: "Por que aconteceu apenas com as garotas e não com os outros?" ele pergunta. "Por que apenas em 1692, por que nada aconteceu nos anos anteriores ou seguintes?" Hoffer, que já escreveu muitos textos sobre os julgamentos de bruxas em Salém, é um dos que acreditam que as garotas que acusaram os vizinhos de praticar bruxaria estavam pregando uma peça nas pessoas. Independentemente da causa, quer tenha sido envenenamento por esporão do centeio, uma brincadeira de criança, uma vingança por injustiças do passado, uma tentativa de se apoderar de terras ou histeria coletiva, os julgamentos de bruxas em Salém representaram um período tenebroso da história norte-americana. Se não fosse pelas confissões confusas que a escrava Tituba fez quando foi interrogada, pelo diagnóstico de feitiçaria feito pelos médicos, ou pelo barril de pólvora que Salém era na época, se qualquer uma dessas coisas não tivesse acontecido, talvez os julgamentos não tivessem ocorrido. Mas tudo se uniu e criou um ambiente cheio de suspeita e de impulsividade imprudente.

Esporão do centeio: realidade ou ficção?

Restou uma frase de Mary East, injustamente enforcada em 22 de setembro de 1692:

"Se for possível, que não se derrame mais sangue inocente ... Eu estou limpa deste pecado".

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